Apresentamos a seguir a proposta que ficou em segundo lugar no concurso nacional para a requalificação do Mercado Público da cidade de Lages, em Santa Catarina, promovido pelo IAB-SC. O projeto a seguir foi desenvolvido pelo escritório Hiperstudio, de Matheus Marques e Ricardo Gonçalves.
Veja a seguir algumas imagens e o memorial descritivo da proposta:
O Conceito
Dentre os diversos edifícios de caráter público que existem em uma cidade, o mercado destaca-se por seu potencial cultural, econômico e democrático. Desde a Antiguidade, o mercado público transcende o simples espaço comercial para simbolizar uma manifestação cultural legítima, palco da diversidade, dos costumes e comportamentos de uma comunidade identificados na troca de mercadorias, no consumo e na produção de artigos locais e artesanais.
Essa essência cultural é o que distingue o mercado público de uma mera franquia comercial privada, portanto é imprescindível que ele possua um espaço diferenciado que possibilite essa qualidade transcendental. Acreditamos que o Mercado de Lages deve evocar esses conceitos tradicionais e incorporá-los às novas lógicas da contemporaneidade, com o objetivo de ser um edifício público paradigmático definido pelo conceito da performance. Todas as decisões do partido arquitetônico convergiram para atingir essa performance nos seguintes âmbitos: econômico, ambiental, cultural e urbano.
O partido
Entendemos que um mercado público, enquanto objeto arquitetônico, pode ser definido pelo conceito essencial das megaestruturas: um grande sistema estrutural que serve de interface unificadora para unidades secundárias se desenvolverem. Essa definição infere, portanto, a existência da relação entre uma estrutura permanente e dominante, que contém elementos subordinados e transitórios – identificados no projeto, respectivamente, como a nova cobertura proposta e os módulos das bancas que compõe o programa do mercado.
Diagnóstico da situação existente
O eixo principal do Mercado mantém relação tanto com a Rua Manuel da Silva Ramos na frente, quanto com a área de estacionamento posterior, as quais priorizam atualmente a presença do automóvel em detrimento do pedestre, isolando o edifício e limitando o seu uso apenas dentro de seus perímetros.
O edifício original do Mercado possui em sua essência uma ideia de modernidade, promovida por sua estrutura geral e seus atributos estéticos protomodernos. Contudo, o bloco anexo executado posteriormente é desprovido de valor arquitetônico significativo, possibilitando sua eliminação.
Um mercado para as pessoas
O partido propõe uma reapropriação do entorno do mercado para uso exclusivo dos pedestres, eliminando a presença do automóvel na área posterior e restringindo a Rua Manuel da Silva Ramos apenas para tráfego local em faixa delimitada. O objetivo é transformar essa rua em uma grande praça que promova a urbanidade, o encontro, a vivência e o acesso ao mercado, que também acaba estendendo o seu uso para o espaço público. A proposta também concentra e reforça o acesso principal na porção central do edifício, se prolongando como um eixo do passeio que organiza os fluxos do mercado até a praça posterior, onde serão realizadas as feiras externas. Antes “subjugado” pelos automóveis, agora o mercado se abre para a cidade.
Essa fluidez espacial é garantida no interior do edifício por meio da subtração da parede original que fazia divisa com o antigo anexo, revelando uma amplitude e flexibilidade ideais para o novo uso do mercado, integrando o pavilhão histórico com o novo anexo.
Setorização espacial
Para se adequar às novas exigências e potencializar o uso do mercado, decidiu-se implantar todos os setores de bancas no novo bloco anexo, que mantém uma constante interação espacial com o pavilhão antigo, o qual funcionará como um portal de acesso e abrigará exclusivamente as atividades culturais e gastronômicas, mais condizentes com seu caráter histórico e apelo turístico.
Os setores administrativos ocupam um mezanino linear disposto ao longo do eixo do novo anexo, que encerra a volumetria na fachada posterior, voltada à praça de feiras e eventos.
Performance estrutural
A estrutura do novo anexo preza pela racionalidade e performance econômica, sendo composta por pórticos sequenciais de pilares pré-fabricados de concreto e treliças metálicas planas que vencem os vãos transversais. O objetivo é gerar a maior flexibilidade espacial possível para a organização dos módulos que compõe o mercado, além da total permeabilidade visual e de circulação entre o pavilhão antigo e o novo anexo.
A cobertura é composta por telhas metálicas aparentes e aberturas zenitais tipo SHED, que garantem a iluminação natural no interior do mercado.
Um ícone renovado
Trata-se de uma intervenção de linhas sóbrias e materialidade neutra, resultando em um volume simples e claro, sem contorcionismos formais. Apesar de assumidamente contemporânea, a proposta não tem a pretensão de ameaçar o protagonismo evidente do edifício histórico, respeitando as suas visuais e proporções.
A composição volumétrica resultante dessas operações de partido reafirma o mercado como um ícone urbano da cidade de Lages.